quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Dois pedacinhos do Interior no Montese

18 Out 2008 - 19h54min

Foto: Francisco Fontenele




Dois pedacinhos do Interior no Montese Um quintal de 35 coqueiros e uma vida inteira. "Foi meu pai quem plantou", sorri Vania Alves Magalhães, 70. Antes que crescessem também as bananeiras, as goiabeiras, a mangueira, o cajueiro e os pés de acerola, desdenhando o asfalto, que passa na esquina, e a avenida dos Expedicionários, a um quarteirão, os filhos de dona Vania aprendiam a dirigir no quintal de 2.700 metros quadrados. Os três andares do apartamento vizinho brecham, certamentamente com inveja, aquele quintal. A casa nasceu sítio, há mais de meio século, pelas mãos do engenheiro agrônomo José Cesário, 80, marido de dona Vania. E, por um tempo, ignorou a cidade em que se transformava o bairro Montese. "Morei 16 anos sem muro, sem grade, sem portão", conta a dona do quintal. A propósito, dona Vania gosta de "conversar com as plantas. Conto minha história". Narra, por exemplo, o dia em que compraram a televisão. "A gente assistia como se fosse um cinema. Botava as cadeirinhas (dos sete filhos) do lado uma da outra". E assim ficou, no coração de mãe. Ela continua ignorando a cidade grande, lá fora. Os meninos cresceram, voaram para Brasília e outras gaiolas. Mas dona Vania não se muda dali, de jeito nenhum. Os coqueiros que o pai plantou, bem dizer, alcançam o céu. "Tem o valor afetivo do lugar". "Vendo nada! Só saio daqui para o Parque da Paz", previne, igualmente, seu Raimundo, "85 anos, sete meses e três dias". Ele é resistente. A casa, sombreada por uma mangueira, é a única em um dos quarteirões persas da avenida Gomes de Matos. A plaquinha desbotada marca o terreno e o tempo: "Residência do cirurgião-dentista Raimundo N. Ximenes". Há muito, ele se aposentou. Dedica-se a restaurar histórias. É do alpendre, onde o vento passeia apesar da quentura do meio-dia, que volta a 1946, chegando de Groaíras (227 quilômetros de Fortaleza): "Aqui era só mato e lagoa. Fiz uma cerquinha, plantei feijão, milho". E a casa de taipa, primeira, alma daquela. Antes dos ônibus e do comércio, eram "o berro de bezerro e o canto de passarinho. A coisa mais linda do mundo". Seu Ximenes sorri para o tempo. É quando dona Lili, um casamento de 62 natais, se aproxima para a foto. O tempo passou ligeiro. Passou? Nem tanto. No alpendre, o par de redes parece ser permanente. O vento brinca com os lençóis brancos e os vestidos que quaram no quintal. A TV de tela plana fica ao lado da máquina de costura que dona Lili trouxe da mocidade em Groaíras. Ao fim da entrevista, seu Ximenes oferta uma mancheia de carambola, colhida na hora. E dona Lili, como boa sertaneja, solicita: "Deus acompanhe!".

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